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Na última semana, o presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), Mirocles Véras, escreveu uma carta aberta com o título: “Santas Casas cobram promessa de presidente Bolsonaro”. Nessa carta, Véras fala das dificuldades que as Santas Casas de todo o Brasil têm passado, principalmente no que diz respeito à questão financeira.

O superintendente da Santa Casa de Poços, Ricardo Sá, repercutiu a carta do presidente da CMB e corrobora com tudo que foi dito, destacando essa dificuldade dos hospitais filantrópicos de conseguir sobreviver, principalmente por causa do rombo provocado pela pandemia.

“O Mirocles Véras foi cirúrgico em sua carta pedindo para que o Governo Federal honre sua promessa de repassar R$ 2 bilhões para as Santas Casas e hospitais filantrópicos por meio de medida provisória. Entre outras coisas, Véras destacou que: ‘na rede filantrópica, a Covid 19 – que mais uma vez se intensifica – representou uma tempestade perfeita. Multiplicou inesperadamente o prejuízo de um sistema de saúde em déficit permanente’. Isso está totalmente de acordo com o que estamos passando aqui na Santa Casa de Poços”, diz o superintendente.

Para exemplificar, Ricardo Sá usou o caso de um remédio chamado Fentanila, que teve um aumento surreal durante a pandemia. “Sempre uso o exemplo da Fentanila para explicar as dificuldades financeiras que o hospital vem passando. Após apenas 6 meses do início da pandemia, a Fentanila teve um aumento de nada mais nada a menos de 585%, um aumento absurdo, que veio acompanhado de um aumento de 0% do recebível para a compra desse remédio. Essa é a nossa dificuldade, não só com a Fentanila, mas em todas as áreas do Hospital, como é o caso do kit intubação, dos EPI’s, enfim, de todos os materiais necessários para que possamos realizar um atendimento de qualidade”, relata Ricardo Sá.

Assim como Mirocles Véras escreveu em sua carta aberta, o superintendente da Santa Casa também acha que não há engenharia financeira possível para viabilizar os compromissos em um quadro tão difícil como esse.

“Desde que cheguei a esse Hospital estamos fazendo de tudo para torná-lo saudável financeiramente. Cortamos custos desnecessários, revimos contratos mal elaborados que traziam ônus para o Hospital, enxugamos nossa folha salarial sem que isso trouxesse perdas na qualidade do atendimento. Enfim, estamos fazendo todo o possível no que diz respeito à gestão para que a Santa Casa possa sobreviver com seus próprios recursos, mas, infelizmente, com todo esse quadro que foi desenhado em razão da covid, se não houver uma mobilização do poder público, pouco poderá ser feito para que os hospitais filantrópicos como o nosso possam continuar servindo à população”, lamenta o superintendente da Santa Casa.

Confira a carta do presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Mirocles Véras, na íntegra:

Santas Casas cobram promessa de presidente Bolsonaro

Em maio, diante da necessidade indiscutível, o governo federal se comprometeu a repassar – por meio de Medida Provisória (MP) – R$ 2 bilhões para as Santas Casas e hospitais filantrópicos mitigarem o rombo financeiro provocado pela pandemia nos seus caixas prejudicados há anos pelo subfinanciamento. Infelizmente, até hoje, apesar dos insistentes apelos, os recursos não foram liberados e o setor se articulou para viabilizar o auxílio emergencial através de Projeto de Lei, já aprovado pelo Senado, mas não votado pela Câmara, apesar de constar em caráter de urgência na pauta prevista de várias sessões.

O fato é que os recursos não chegaram aos cofres dos hospitais em 2021 e, mais uma vez, Santas Casas e hospitais filantrópicos recorreram aos bancos para honrar os décimos terceiros salários.

Para a rede filantrópica, a Covid 19 – que mais uma vez se intensifica – representou uma tempestade perfeita. Multiplicou inesperadamente o prejuízo de um sistema de saúde em déficit permanente. Essa deficiência estrutural antiga, sem solução, já tornava a falência apenas questão de tempo. Agora, até o tempo, como o dinheiro, acabou.

Enfrentar a pandemia causou uma explosão nos gastos, sobretudo com a aquisição de insumos que dobraram, triplicaram ou quadruplicaram de preço, com elevação de até 15 vezes na quantidade utilizada, como foi o caso do kit de intubação. Já a inflação dos equipamentos de proteção individual – EPI’s – ultrapassou os 400%.

Neste momento, não há engenharia financeira possível para viabilizar os compromissos, a não ser contrair mais dívidas bancárias.  As operações bancárias em créditos consignados já ultrapassam R$ 7 bilhões, sendo R$ 2 bilhões movimentados nos últimos meses de 2021, em volumes recordes de operações realizadas. O buraco só cresce.

Enquanto o SUS recebe o merecido reconhecimento pelo desempenho durante a emergência, é oportuno lembrar o papel da rede filantrópica nessa estrutura. São quase 2 mil hospitais espalhados pelo Brasil e, em muitas cidades, representam a única alternativa de atendimento gratuito. Respondem por mais de 50% da assistência pública total no país e por mais de 70% dos serviços de alta complexidade, como tratamento de câncer e transplantes. São 127 mil leitos conveniados, com 24 mil deles de UTIs. Toda essa estrutura está em risco.

Especificamente na pandemia, a diária de uma UTI para o SUS, destinada à pacientes contaminados pelo vírus, em instituição filantrópica de grande porte custa R$ 3.401, mas o hospital é remunerado com apenas R$ 1.600. A rede filantrópica disponibilizou 10 mil leitos de UTI Covid para o SUS, que permaneceram 100% ocupados durante a maior parte do período pandêmico.

Há tempos, é urgente uma solução para o subfinanciamento da rede filantrópica conveniada ao SUS. A tabela SUS remunera apenas 60% do total dos gastos dos hospitais com o atendimento público.

O subfinaciamento levou ao endividamento. Pela Constituição, é dever do Estado a saúde pública e nós estamos fazendo esse dever, bancando-a. Não queremos dinheiro público, queremos ser remunerados de forma justa pelo serviço prestado, para que possamos continuar a servir os brasileiros, sobretudo os mais necessitados. No entanto, com a falta de recursos, as instituições não conseguem renovar suas estruturas físicas e tecnológicas para melhorar a qualidade do atendimento e o pior, correm o risco de fecharem as portas, situação que já ocorreu com diversas entidades.

O setor filantrópico é a base de um sistema de saúde que é exemplo no mundo e luta diariamente para ser respeitado pelo governo, com remuneração justa, para que possa cumprir com a missão de servir ao SUS. É preciso, para hoje, uma reestruturação financeira que corrija o déficit histórico causado por uma tabela de procedimentos que não reflete a realidade. Mas, ainda antes disso, para ontem, é necessário que o governo cumpra o compromisso de repassar os R$ 2 bilhões anunciados para cobrir parte do rompo que se impõe, garantindo que o dinheiro chegue realmente às instituições com base na real produção de cada uma. Encerramos o exercício de 2021 sem os recursos prometidos aos hospitais e as incertezas no setor são alarmantes.

A evolução da pandemia da Covid-19 e, principalmente, a realidade atual, com a perspectiva de continuidade da doença nos próximos meses, surto de Influenza e casos de Flurona, fica coerente inferir que os impactos econômicos e financeiros produzidos em 2020 já não são comparáveis com o cenário de 2022, exigindo ações que possibilitem a continuidade dos atendimentos à população e a sobrevivência das instituições hospitalares, assim como do seu  ecossistema, para continuar garantindo emprego, renda, prestação de serviços e notadamente o acesso dos brasileiros à assistência, através do SUS.

A responsabilidade do parlamento e do presidente Bolsonaro com as Santas Casas e hospitais filantrópicos muda de patamar e esperamos, ao menos, iniciar 2022 com boas notícias e a concretização da promessa assumida, ou teremos um cenário ainda mais imprevisível.

Mirocles Véras, presidente da CMB (Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos)