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Blog – E o armazenamento?

Paulo Tadeu -Além de terem transportado de forma criminosa e clandestinamente para Poços, o armazenamento também foi criminoso.Esse material foi depositado aqui de qualquer forma, em barracões. O que não seria um grande problema, porque não é um material de radiação intensa, não é um material que você chega perto e entra pela sua pele. Não. É um material que precisa ser ingerido e respirado. O problema e a qualidade e o estado das bombonas onde estão depositados.

 

Blog – O condicionamento?

Paulo Tadeu. Isso. O condicionamento. E ainda existe a informação de um caminhão, pelo menos, que sofreu um acidente na planta e foi enterrado. Há informações, então, de material enterrado também. Isto é problema.

 

Blog – Contamina o solo?

Paulo Tadeu – Contamina a água. Se não ingerida diretamente por tratamento, um peixe você come. Isto em longo prazo.

 

Blog – Houve a retomada desse transporte?

Paulo Tadeu – Há uma fase de tentativa de retomada. Quando a INB perdeu o interesse aqui, de maneira irresponsável não conseguiu fazer e aplicar e implantar o plano de recuperação. A empresa sem recursos, com orçamento baixo, buscou uma saída, que seria a venda desses ativos em São Paulo, os terrenos de Santo Amaro e de Interlagos e para isso eles precisavam retomar o descomissionamento lá, limpar lá e trazer para cá. Que é o que eles querem fazer agora.

 

Blog- Houve outras tentativas?

Paulo Tadeu – Eles tiveram uma tentativa muito bem sucedida no ano de 1999, quase bem sucedida. Na época eu fiz a denúncia e todos os grandes jornais do Brasil denunciaram a situação do depósito, das bombonas, a deterioração do acondicionamento, inclusive a exposição contra trabalhadores contrariando normas radiométricas, que acabou desembocando, inclusive, em matéria no Fantástico, e na época eu fui entrevistado. Fui inclusive alvo de ameaças anônimas.

 

Blog. Como foi esta estratégia quase bem sucedida?

Paulo Tadeu – Fizeram uma audiência pública para tratar do tema. O transporte ia sair de Interlagos e vinha para o Planalto de Poços. Eu tinha companheiros do PT na Câmara de São Paulo que me falaram que teria esta audiência pública para discutir toda a forma de embarque, de transporte do material que estava lá para o Planalto de Poços. Esta audiência envolvia a Secretaria do Meio Ambiente de SP, a Setesb, o Corpo de Bombeiros, PRF e os ambientalistas.

 

Blog – Para esta audiência não chamaram ninguém da região de Poços?

Paulo Tadeu – Não.  Eu fui chamado por um vereador meu amigo e fui. Lá eu assisti perplexo a coordenação de todo este trabalho que era do comando do Corpo de Bombeiros de São Paulo. Na época a apresentação era por slides mostrando como o material seria embarcado, os cuidados no embarque, com o caminhão, que horas que iria sair. A partir do embarque a Polícia Rodoviária tomava conta desse transporte acompanhando com batedores para ser depositado aqui. Falou o comandante da Polícia Rodoviária do estado de São Paulo, secretário do Meio Ambiente,  o Ministério Público da importância de tirar o material de São Paulo. E eu lá assistindo. Ninguém de Poços, ninguém de Caldas. Depois que todo mundo expôs, eu pedi a palavra.  Eu fiz uma analogia. Falei que me lembrava de uma história em que o Vicente Fiola definiu uma tática de jogar contra os russos e explicou como ela seria e na hora que terminou de falar o Garrincha perguntou se já estava combinado  o amistoso.  Dai eu perguntei se tudo aquilo que tinham acabado de falar na audiência se estava combinado com os mineiros.  Eu disse que era de Poços e desconhecia qualquer autorização para este depósito e o que dependia da nossa parte eles não iam passar, porque as cidades estavam mobilizadas. O comandante do Corpo de Bombeiros se manifestou questionando se não sabíamos. Eu disse que ninguém sabia e que eles não tinham autorização para entrar em Poços, que não tinha acontecido nenhuma audiência aqui para receber este material. O comandante do Corpo de Bombeiros levantou e falou para todos que o dia em que eles quisessem trabalhar com seriedade que o chamassem e abandonou a audiência.  Com este abandono, o assunto morreu.

 

Blog – Não houve insistência?

Paulo Tadeu – Houve, mas mandamos uma carta para o Itamar Franco, que era governador de Minas. Ele fez um decreto em março de 2000 proibindo o transporte de material radioativo, oriundos de outros Estados, no território mineiro. Este decreto foi depois mudado, porque da forma como foi feito não podia entrar nem material de raio x, de radioterapia, para dentista, nem álcool iodado.  Acho que este decreto prevalece até hoje.

 

Blog – Decreto tem força de lei?

Paulo Tadeu – Decreto tem força normativa. Está baseado em uma lei que dá ao governador autoridade para tomar decisões de interesse do Estado. Este decreto não foi contestado e não sendo revogado estaria em vigor, em vigência.

 

Blog – E nesta nova tentativa de agora?

Paulo Tadeu – O que precisaria fazer hoje no Brasil, e eu falo há 30 anos, é a definição de um local para colocar este material, inclusive o que está aqui depositado. Há quem diga que aqui temos quase 20 mil toneladas de diferentes rejeitos e que poderia receber mais um pouco, já que a área é muito grande, o material não é complicado de ser armazenado e que pode ser feito de forma correta. O grande problema não é ter mais material aqui, embora o fato de você morar ao lado de um viaduto não significa que você possa colocar o liquidificador para funcionar na hora que estão dormindo. O grande problema é como o Brasil não tem um local definido para guardar rejeito, o risco que nós corremos é de nos tornarmos este o local.  E este local significa o que? Receber os rejeitos das usinas nucleares.   Espanha tem um local para receber rejeitos e recebe os das usinas da Europa toda e ganha por isso.  Nós temos 20 toneladas de rejeitos aqui, mal condicionada, numa área minerada, degradada que coloca em risco as vertentes do Rio Verde e do Rio das Antas e oque ganhamos com isso? Qual o royaltie que já se pagou para Caldas ou para Poços por termos que conviver com esta figura ameaçadora? Nada.  E a vinda de mais material para cá não vai significar em ganho para ninguém. A grande questão é que temos que impedir que este material venha para cá porque não podemos correr o risco de sermos os escolhidos  para receber depósito de todo material radioativo do Brasil.

 

Blog – Você já trouxe um físico nuclear para analisar a questão, não é?

Paulo Tadeu – Eu consegui, tempos atrás, que viesse a Poços um amigo de militância do PT o físico nuclear Luiz Pingelli Rosa. Ele fez visita na instalação e colocou claramente que o melhor lugar do Brasil para receber depósito era aqui.  Porque já tínhamos uma atividade nuclear, um povo com uma cultura que conhece os termos da atividade nuclear que não assusta ninguém e que se não nos organizássemos era para cá que viria. Isto foi nos anos 80. Temos que ter um enfrentamento necessário diante de mais esta tentativa de nos fazer de bobo, de um povo que não conta, como não contou quando decidiram fazer essa mineração a céu aberto e quando decidiram trazer este material radioativo não produzido em Poços, não produzido em Minas. Qual é a razão de termos de ser os guardiões de um rejeito radioativo produzido por uma indústria de São Paulo, cuja matéria prima é do Rio de Janeiro e do Espírito Santo? Minas Gerais não tem que aceitar isso.

 

Blog – Qual sua expectativa para que este material não venha?

Paulo Tadeu – É uma questão que não será difícil obter consenso. O argumento é muito claro. Não acho difícil obter consenso em torno desse enfrentamento.