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Senhor prefeito

SÉRGIO AZEVEDO

Gostaria de lhe fazer uma pergunta: o senhor e seus familiares esperariam pela abertura de semáforo às 5 horas da madrugada, numa avenida deserta? Ou, por segurança e cautela pessoal, apenas parariam para olhar e, com cuidado e atenção, pudessem cruzar o sinal vermelho?

Foi o que aconteceu comigo, acompanhado de minha filha. Exatamente às 5h07, no trecho final da avenida Mansur Frahya, por medo de assalto, parei, olhei e atravessei – como aliás as autoridades policiais e de trânsito, por segurança, recomendam em todas as médias e grandes cidades.

Aqui é diferente. O semáforo permanece ‘piscante’ de meia-noite às 5h00 e, a partir daí, com ou sem segurança, com ou sem assaltos, com ou sem veículos trafegando na madrugada erma, a punição é tiro e queda. E com um detalhe: sem direito de defesa, porque o Departamento de Trânsito não envia notificação, como determinam a lei e o Direito Constitucional. Apenas publica uma longa e desproporcional lista no Diário Oficial, aplica multa e ponto final.

Estas considerações, senhor prefeito, as faço para demonstrar minha indignação com o notório descaso com os cidadãos. Somente ao procurar licenciar meu veículo, após pagar todas as taxas e tributos, fiquei sabendo de três multas a mim aplicadas. Uma por cruzar sinal vermelho às 5h07 da madrugada. Outra por utilizar vaga para idosos na rua Piauí. E a terceira, por fazer uma conversão proibida na rua Junqueiras, para acesso à praça atrás do Palace Hotel.

Mas vamos aos fatos:

Cruzar sinal vermelho: ainda que tenha provisão legal, não existe justificativa moral para aplicação de multa durante a madrugada, posto que a segurança sempre deve estar em primeiro lugar. Aliás, regras e leis de trânsito foram criadas fundamentalmente para garantir segurança de pessoas, nunca para engordar as receitas dos órgãos públicos e privados. E neste caso, particularmente, considero que se trata de uma arapuca criada exclusivamente para tirar dinheiro dos contribuintes. Todas as cidades médias ou grandes mantêm inoperantes e sem efeito as penalidades impostas por cruzamento de semáforo das 23h00 às 6h00. O senhor pode corrigir isso, seria um gesto digno.

Conversão proibida: confesso que fiz a conversão, sem saber que não era permitida. Somente depois de tomar conhecimento da multa, verifiquei a existência de uma pequena placa, desbotada e mal colocada, num poste próximo. Sinalização deficiente para uma cidade turística. Mas assumo o erro.

Vaga para idosos: estou enquadrado. Tenho 70 anos, possuo o cartão nacional que me autoriza a utilizar as vagas e, além disso, mantenho no celular o aplicativo da empresa gestora da zona azul. Sempre pago a tarifa, quando não encontro vagas demarcadas para idosos que, a propósito, são escassas numa cidade com tantos idosos. Mas parece que os atendentes da zona azul, que não viram meu cartão, têm mais fé pública do que os contribuintes.

De qualquer forma, senhor prefeito, eu nunca recebi as notificações, obrigatórias por lei, pois o departamento (ou empresa contratada) parece que não leva muito a sério a legislação e o direito constitucional de defesa. Deve ser mais lucrativo não notificar, para que a ignorância dos infratores proporcione mais lucros.

Para seu conhecimento e, principalmente, do público, em julho último esse departamento publicou no Diário Oficial do Município 166 páginas (!!!) com a lista de vários milhares de infratores não localizados pelo Correio. Entre eles – pasme, sr. prefeito! – estão a própria prefeitura e o DMAE, notificados por edital, provavelmente por encontrarem-se em “local incerto e não sabido”. Das duas, uma: ou os Correios estão absurdamente inoperantes (o que não acredito) ou isso insinua má-fé do departamento de trânsito, ao desobrigar-se de enviar notificações, simplesmente aplicar as multas e depois, sumariamente, indeferir recursos. Um absurdo que merece investigação do Ministério Público e da Câmara Municipal.

O senhor, sr. prefeito, acompanha a política e a vida nacional há anos. E sabe que nem tudo que é legal, é moral – e vice-versa. Mas poderia e deveria dar exemplo. Por não ter sido legalmente notificado, eu apresentei recursos à JARI contra as três infrações, reclamando o meu direito de defesa garantido pela Constituição. E não recebi resposta. Soube que foram indeferidas apenas ao procurar esta semana o departamento, porque preciso regularizar a licença do carro. Mas, para saber a razão do indeferimento, que tecnicamente deveria acompanhar a recusa, terei de protocolar novo pedido, acompanhado das mesmas cópias dos documentos. E aguardar a JARI, que provavelmente não vai enviar a resposta, cabendo-me, após período de espera, voltar ao departamento para saber por que não acolheram os recursos.

É surreal, sr. prefeito. E como tenho acompanhado a sua boa atuação administrativa pelas redes sociais, acredito que desconheça esse descalabro e possa corrigir as falhas do departamento, que deveria cuidar mais da segurança e fluidez no trânsito da cidade – e menos da arrecadação. Tenho comigo a razoável certeza de que esse espírito meramente punitivo seria mais racional se uma lei federal obrigasse que 100% dos recursos oriundos de multas de trânsito fossem destinados às santas casas e hospitais filantrópicos do país – e não para engordar as receitas extraorçamentárias de estados e municípios, assim como de empresas e agentes contratados para… multar! Acabaria essa sanha de criar armadilhas, arapucas e tocaias nas ruas e estradas, apenas para arrecadar. Das milhares de motos com escapamentos abertos, ziguezagueando e atormentando o sossego da população, ninguém toma providências.

Desculpe-me pelo desabafo, mas tenho certeza de que o senhor reúne condições legais e morais para corrigir esses desatinos. Vou encaminhar cópias desta missiva à Câmara Municipal e aos órgãos de imprensa do município para, quem sabe, abrir uma discussão e contribuir para conter os desmandos dessa absurda indústria de multas.

Atenciosamente

MARCO AURÉLIO MENDONÇA

RG 4.920.568-7

Rua Expedicionários, 46, Centro.