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Paulo Tadeu Silva D’Arcadia

 

Nesta edição a jornalista Neusa Reis entrevista o ambientalista e político Paulo Tadeu Silva D’Arcadia que aborda a questão de um novo transporte de resíduos radioativos para o Planalto de Poços de Caldas.

 

Blog – Há notícias da transferência de mais rejeitos radioativos, vindos do Estado de São Paulo, para o Planalto de Poços de Caldas. Isto lhe preocupa?

Paulo Tadeu – Sem dúvida. Esta questão dos rejeitos que foram depositados no Planalto de Poços de Caldas está ligada, de certo modo, ao tratamento que a INB e a área nuclear do Brasil deu também ao planalto. Ou seja, um tratamento desrespeitoso com a natureza, afrontoso com a população e sociedade no entorno, absolutamente irresponsável e dentro de uma cultura fechada que vem do meio militar, que considerava as atividades de mineração e até mesmo as atividades de transformação como atividades de segurança nacional, esão a partir de um determinado ponto, apenas no enriquecimento, o restante não. Este fechamento fez com que a sociedade tivesse uma grande dificuldadede saber do que se passava aqui. Esta questão da areia monazítica vem do final do século XIX. Há suspeitas de que a areia monazítica vinha sendo roubada desde os anos de 1890.

 

Blog – Como assim roubada?

Paulo Tadeu – Os navios estrangeiros enchiam de areia monazítica e levavam, porque já entendiam a importância estratégica da monazita e também das terras raras que se extrai da areia. Este roubo, inclusive, vem até 1960. No início do século XX um grupo grande e importante de estudiosos do meio militar começoua discutir a necessidade do Brasil ter uma política própria para a questão da areia monazítica. O Brasil começou a cuidar disso em 1940 até que em 1951 foi criado o Conselho Nacional de Pesquisa, por pressão da área nuclear. O primeiro presidente da CNPQ foi o almirante Alberto Afonso de Souza e Silva. Neste mesmo ano o Brasil faz acordo com os EUA para vender milhares de toneladas de areia monazítica em troca de tecnologia. Existe uma lenda também que neste período que se roubava a areia monazítica no Brasil componentes extraídos dela, sobretudo o tório, teriam sido usados nas bombas que foram utilizadas na 2ª guerra no Japão. Trata-se de toda uma trajetória, de um túnel secreto, dessa atividade.

 

Blog – Em Poços há também uma atividade secreta?

Paulo Tadeu – Sim. Os primeiros indicativos de mineração de urânio no Brasil entendiam que no Planalto de Poços a mineração deveria ser feita por galerias e acabou sendo feita de maneira criminosa, do ponto de vista ambiental, de forma aberta, com a movimentação de terra de forma bruta que nos levou a este passivo milenar, que vai ter que ser monitorado por 5,10 séculos.  Paralelo a isto existiauma empresa em São Paulo chamada Nuclemon que trazia as areias de Buena e Guarapari, no Espírito Santo, para fazer a extração da monazítica. A sobra disso é um componente com 12% de tório, 2% de urânio e muitas terras raras irrisórias neste composto. Como não se extraia isso foi se acumulando na usina de Interlagos, da Nuclemon, e na usina de Santo Amaro.

 

Blog – É a chamada Torta II?

Paulo Tadeu – Isto. Têm dois tipos de rejeitos, a Torta I e a Torta II. A Torta II em quantidade muito superior. E com o tempo não havia onde depositar este material que estava em um centro urbano maisimportante da América Latina, que é São Paulo e começaram a depositar clandestinamente em Itú até que em 1977, em plena ditaduramilitar, foi descoberto, e a sociedade ituana reagiu e fez protestos e passeatas e interrompeu a transferência desse material para Itu.

 

Blog – E para onde foi mandada?

Paulo Tadeu – Era preciso mandar para outro lugar. E por que o Planalto de Poços de Caldas? Primeiro porque era um lugar onde já havia uma atividade de mineração e segundo, contou com a cumplicidade criminosa das autoridades locais, sobretudo, as de Poços. Prevaleceu aí o interesse econômico. Havia uma implicação entre as autoridades locais e uma empresa de transporte e este transporte era milionário, porque era transporte nuclear. O que era clandestino para Itu passou a ser clandestino paraPoços.

 

Blog – Mas consta ter havido manifestação contrária de políticos de Poços.

Paulo Tadeu – Não fui eu o primeiro a levantar esta questão. Quando esta questão foi descoberta, duas coisas aconteceram imediatamente. A empresa, a INB, negou a existência destes depósitos e as autoridades locais também.

 

Blog – Negou, como assim?

Paulo Tadeu– Dizendo que não tinha.E a empresa era inacessível, você não conseguia entrar lá. A empresa era fechada. Só que tínhamos informações lá de dentro, pessoas que eram simpatizantes, ambientalistas, que tinham essa preocupação e que confirmaram. Essa ação dos depósitos foi criminosa, porque trouxe milhares de toneladas de Torta II.

 

Blog – E sempre na ‘calada da noite’?

Paulo Tadeu – Sempre de madrugada. Por duas razões: primeiro porque era um transporte clandestino não havia autorização do Estado de Minas Gerais para receber isso, não havia autorização dos municípios do entorno, não havia nada.  E por se tratar de material radioativo eles transportavam em um horário de menor movimento nas estradas para correr menos riscos.

 

Blog – Consta até que houve uma vigília de pessoas que tentaram impedir a vinda da Torta II

Paulo Tadeu – Quando houve a descoberta, houve a denúncia, e em que pese o poder econômico que a empresa tinha aqui, com um escritório no centro de Poços, os meios de comunicação local repercutiram e foi uma luta.  Já na primeira denúncia eles começaram a recuar neste transporte, mas mantinham de vez em quando, mandavam uma carreta e foi quando um grupo fez uma vigília para pegar estas carretas chegando e dai definitivamente o material deixou de ser transportado, entre 1985 e 1990.